sexta-feira, 20 de maio de 2011

Segue o teu destino

In the morning I



Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Fernando Pessoa
(Odes de Ricardo Reis)







Foto: Hélène Desplechin
http://www.flickr.com/photos/heldes/





quinta-feira, 19 de maio de 2011

Poema V

touch



A Federico García Lorca



Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu
pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
que bebi na tua boca a fúria de umas águas
eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.
Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.
E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória
e cantar de repente: “os arados van e vên
dende a Santiago a Belén”.

Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?

“El passado se pone
su coraza de hierro
y tapa sus oídos
con algodón del viento.
Nunca podrá arrancársele
un secreto...”


(Hilda Hilst)



Foto: Alejandra baci
http://www.flickr.com/photos/21838986@N04/




terça-feira, 10 de maio de 2011

Paciência

Waiting for a visitor


Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso, faço hora, vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara
(tão rara)


Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
(a vida não para não)


Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara
(tão rara)


Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida é tão rara
a vida não para não
a vida
é tão rara


(Lenine)




Foto: Anders Uddeskog
http://www.flickr.com/photos/andersuddeskog/




terça-feira, 3 de maio de 2011

Balada do Cárcere de Reading





(...)
Eu soube, então, a idéia lacerante
que o atormenta, e o faz correr,
e o faz olhar, tristonho, o céu radiante,
radiante, e alheio ao seu sofrer:
de matou aquela que adorava...


No entanto (ouvi) cada um mata o que adora:
o seu amor, o seu ideal.
Alguns com uma palavra de lisonja,
outros com um duro olhar brutal,
O covarde assassina dando um beijo,
o bravo, mata com um punhal.

Uns matam o Amor, velhos; outros, jovens;
(quando o amor finda, ou o amor começa);
matam-no alguns com a mão do Ouro, e alguns
com a mão da Carne — a mão possessa!
E os mais bondosos, esses apunhalam,
- que a morte, assim, vem mais depressa.

Há corações vendidos, e há comprados;
uns amam, pouco, outros demais;
há quem mate a chorar, vertendo lágrimas,
ou a sorrir, sem dor, sem ais.
Todo homem mata o Amor; porém, nem sempre,
nem sempre as sortes são iguais."
(...)


(Oscar Wilde)





Foto: Gusti Yogiswara
http://www.flickr.com/photos/goestimay/





Olhar

The Chatters




Conheço as pessoas pelo olhar,
Escolho meus amigos pela pupila,
Pela força do olhar dilatado,
...Pelas lágrimas que neles brotam,
Pelas íris abertas que riem.
Tem que ter brilho questionador
Tonalidade inquietante, impaciente,
E transparência translúcida.

Não me interessam somente os bons de espírito,
Nem somente os maus de hábitos.
Não me interessam personalidades fracas,
Nem os de mau caráter.
Fico com aqueles que fazem de mim louco varrido
E provoquem a minha santidade,
Que me tragam dúvidas e angústias,
Ansiedades e medos e adrenalina,
E aguentem o que há de bom e de pior em mim.

Escolho meus amigos pela cara lavada
E pela alma exposta,
Pela anarquia intrínseca.
Não quero só o ombro ou o colo nas horas tristes,
Quero também sua maior alegria,
Suas gargalhadas barulhentas e estridentes.
Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto!

Meus amigos precisam ser assim: originais,
Metade bobeira e criancices,
Outra metade seriedade e crescimento.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios e palhaços,
Daqueles que fazem da realidade
Concretização de sonhos
E sua fonte de aprendizagem,
Mas lutam para que a poesia da vida
E a fantasia e os sonhos não desapareçam.

Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto,
E o valor de continuarem brincando com a vida;
E velhos, para que nunca tenham pressa,
E que sejam verdadeiros e sejam puros.
Tenho amigos para saber quem eu sou,
Pra brincar, cantar juntos, fazer piqueniques,
Contar piadas tolas, e muito rir.

Loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos,
Nunca me esquecerei de que a "normalidade"
É uma ilusão imbecil e estéril.
Por isto, quero ser o supra-sumo
E possivelmente o resumo
Do amar-nos uns aos outros.



Getulio Junior
Adaptação a texto de Oscar Wilde
Vassouras, Rio de Janeiro, 08. 09. 2009




Foto: Gusti Yogiswara
http://www.flickr.com/photos/goestimay/