sábado, 7 de novembro de 2009

O Avesso e o Direito




"Assim, cada artista conserva dentro de si uma fonte única, que alimenta durante a vida o que ele é e o que diz. Quando a fonte seca, vê-se, pouco a pouco, a obra encarquilhar-se e rachar. São as terras ingratas da arte, que a corrente invisível não mais irriga. Com o cabelo ralo e seco, o artista, barba escassa, está maduro para o silêncio ou para salões, o que vem a dar no mesmo. Nesse caso, sei que minha fonte está em O Avesso e o Direito, nesse mundo de pobreza e de luz em que vivi durante tanto tempo, e cuja lembrança me preserva, ainda, dos dois perigos contrários que ameaçam todo artista: o ressentimento e a satisfação. Para começar, a pobreza nunca foi uma desgraça para mim: a luz espalhava nela suas riquezas. Mesmo as minhas revoltas foram por ela iluminadas. Creio poder dizer, sem trapecear, que, quase sempre, foram revoltas para todos, para que a vida de todos se elevasse na luz. Não é certo que meu coração fosse naturalmente predisposto a esse tipo de amor. Mas as circunstâncias me ajudaram. Para corrigir uma indiferença natural, fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol. A miséria impediu-me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo. Mudar a vida, sim, mas não o mundo do qual eu fazia minha divindade. Assim é, sem dúvida, que abordei essa carreira desconfortável em que me encontro, enfrentando com inocência uma corda bamba, na qual avanço com dificuldade, sem estar seguro de alcançar a outra ponta. Em outras palavras, tornei-me um artista, se é verdade que não há arte sem recusa nem consentimento." (Albert Camus)




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