quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Miudádivas, pensatempos, proesias




"Estou sem texto, enriquecido de nada. Aqui, na margem de uma floresta em Niassa, me desbicho sem vontades para humanidades. Entendo só de raízes, vésperas de flor. Me comungo de térmites, socorrido pela construção do chão. No último suspiro do poente é que podem existir todos sóis. Essa é minha hora: me ilimito a morcego. Já não me pesam cidades, o telhado deixa de estar suspenso ao inverso em minhas asas. Me lanço nessa enseada de luz, vermelhos desocupados pelo dia.
Nesse entardecer de tudo vou empobrecendo de palavras. Não tenho afilhamento com o papel, estou pronto para ascender a humidade, simples desenho de ausência. Na tenda onde me resguardo me chegam, soltas e díspares, de visões, pensatempos, proesias. Assim, em miudádivas ao poeta:

...Nada se parece tanto: poente e amanhecer.
Defeitos na tela do firmamento?
Instantâneas aves,
pedras que se despoentam.
A noite acende o escuro.
Tudo semelha tudo.
Só a coruja atrapalha a eternidade.

Está chovendo horas,
a água está a ganhar-me semelhanças.
Escuto ventos,
derrames de céu.

Parecem-me luas e são lábios.
Lembranças de minha amada.
A tua boca me ilude, sou culpado de teu corpo.
Saudade: sou mais tu que tu..."
(Mia Couto)



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