quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Parti, fui sem mim.




"Parti, fui sem mim.

quase sem fronteira de si.

Mulher De Mim


Naquela noite, as horas me percorriam, insones ponteiros. Eu queria só me esquecer-me. Assim deitado, não sofria outra carência que não fosse, talvez, a morte. Não aquela, arrebatante e definitiva. A outra: a morte-estação, inverno subvertido por guerrilheiras florações. Eu queria avisar-lhe que estava enganada, que aquele não era seu competente endereço. Mas o silêncio me alertou que ali estava a decorrer um destino, o cruzar das fatais providências. Não sei o quanto demorou. Talvez umas tantas noites. Ou escassos instantes. Nem sei. Porque adormeci, ansioso por me suprimir. Doeu-me acordar, malvorei-me. Nesse custo, entendi: acordar não é a simples passagem do sono para a vigília. É mais, um lentíssimo envelhecimento, cada despertar somando o cansaço da inteira humanidade. E concluí: a vida, ela toda, é um extenso nascimento."
(Mia Couto)


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